This review may contain spoilers
"Aqueles com dinheiro são sempre inocentes. Aqueles sem dinheiro são sempre culpados. Uma lei para os ricos e outra para os pobres."
Life on Mars (2018) é um conflito entre duas eras e seus respectivos paradigmas de investigação, moralidade e identidade. A narrativa se estrutura na colisão entre presente e passado - tanto de forma literal, quando um detetive dos anos 2010 acorda nos anos 80, quanto simbólica: razão e instinto, ciência e brutalidade, ordem e caos. Dividida em três pilares - os casos criminais, o mistério sobre o protagonista e a trama central de fundo, o dorama equilibra essas camadas com mais competência na investigação e nas cenas de surrealismo psicológico do que na explicação do fenômeno em si.
A ambientação dos anos 80 vai além dos detalhes visuais, capturando sobretudo a mentalidade da época: autoritarismo policial, preconceito institucionalizado, informalidade nos procedimentos e precariedade tecnológica. O protagonista, Han Tae-joo, é um detetive metódico, racional, que crê na ciência como guia absoluto. Quando é lançado numa realidade em que imperam a dedução empírica e a truculência, precisa questionar até que ponto os métodos frios podem bastar num sistema injusto. Seu arco, portanto, não é apenas de adaptação temporal, mas de reconfiguração moral - aprender que, quando a estrutura social é falha, a justiça às vezes se impõe apesar da lei.
Kang Dong-chul, seu superior, representa o oposto: um policial intuitivo, visceral, mais ação do que reflexão. A tensão entre eles não se cristaliza num clichê de rivalidade, mas se transforma em complementaridade: duas falhas que se completam. É nesse atrito que o dorama encontra força, mostrando que ambos têm limites e virtudes.
O surrealismo que permeia o dorama - sonhos, visões, lapsos de memória e imagens do hospital - funciona mais como reflexo do estado mental do protagonista do que como explicação narrativa. A incerteza sobre se tudo é coma, viagem no tempo ou alucinação nunca é resolvida, o que pode ser visto como reforço da ambiguidade ou como fragilidade estrutural, dependendo da expectativa do espectador.
No cerne, Life on Mars propõe um embate entre moralidade objetiva e a contingência histórica; desigualdade social, brutalidade institucional, falhas do sistema jurídico, conflito entre razão e intuição, além de questionar memória, identidade e realidade. Entre casos densos e atmosfera retrô bem construída, emerge uma crítica social relevante, equilibrando mistério, drama e reflexões existenciais.
Porém, falha ao não oferecer uma conclusão clara sobre o destino do protagonista e peca em pontos como o início arrastado, momentos inverossímeis e a relutância excessiva do MC em aceitar a nova realidade e confiar nos companheiros. No todo, sua força reside principalmente nas tramas investigativas, na ambientação e no retrato precário e da mentalidade da época, mais do que na explicação ou resolução do mistério central.
Em suma, Life on Mars entrega mais como experiência de atmosfera e crítica social do que como narrativa fechada e talvez seja exatamente aí que reside tanto seu mérito quanto sua limitação.
Life on Mars (2018) é um conflito entre duas eras e seus respectivos paradigmas de investigação, moralidade e identidade. A narrativa se estrutura na colisão entre presente e passado - tanto de forma literal, quando um detetive dos anos 2010 acorda nos anos 80, quanto simbólica: razão e instinto, ciência e brutalidade, ordem e caos. Dividida em três pilares - os casos criminais, o mistério sobre o protagonista e a trama central de fundo, o dorama equilibra essas camadas com mais competência na investigação e nas cenas de surrealismo psicológico do que na explicação do fenômeno em si.
A ambientação dos anos 80 vai além dos detalhes visuais, capturando sobretudo a mentalidade da época: autoritarismo policial, preconceito institucionalizado, informalidade nos procedimentos e precariedade tecnológica. O protagonista, Han Tae-joo, é um detetive metódico, racional, que crê na ciência como guia absoluto. Quando é lançado numa realidade em que imperam a dedução empírica e a truculência, precisa questionar até que ponto os métodos frios podem bastar num sistema injusto. Seu arco, portanto, não é apenas de adaptação temporal, mas de reconfiguração moral - aprender que, quando a estrutura social é falha, a justiça às vezes se impõe apesar da lei.
Kang Dong-chul, seu superior, representa o oposto: um policial intuitivo, visceral, mais ação do que reflexão. A tensão entre eles não se cristaliza num clichê de rivalidade, mas se transforma em complementaridade: duas falhas que se completam. É nesse atrito que o dorama encontra força, mostrando que ambos têm limites e virtudes.
O surrealismo que permeia o dorama - sonhos, visões, lapsos de memória e imagens do hospital - funciona mais como reflexo do estado mental do protagonista do que como explicação narrativa. A incerteza sobre se tudo é coma, viagem no tempo ou alucinação nunca é resolvida, o que pode ser visto como reforço da ambiguidade ou como fragilidade estrutural, dependendo da expectativa do espectador.
No cerne, Life on Mars propõe um embate entre moralidade objetiva e a contingência histórica; desigualdade social, brutalidade institucional, falhas do sistema jurídico, conflito entre razão e intuição, além de questionar memória, identidade e realidade. Entre casos densos e atmosfera retrô bem construída, emerge uma crítica social relevante, equilibrando mistério, drama e reflexões existenciais.
Porém, falha ao não oferecer uma conclusão clara sobre o destino do protagonista e peca em pontos como o início arrastado, momentos inverossímeis e a relutância excessiva do MC em aceitar a nova realidade e confiar nos companheiros. No todo, sua força reside principalmente nas tramas investigativas, na ambientação e no retrato precário e da mentalidade da época, mais do que na explicação ou resolução do mistério central.
Em suma, Life on Mars entrega mais como experiência de atmosfera e crítica social do que como narrativa fechada e talvez seja exatamente aí que reside tanto seu mérito quanto sua limitação.
Was this review helpful to you?