This review may contain spoilers
Poucos filmes recentes conseguiram provocar um impacto tão profundo quanto Parasita, de Bong Joon-ho. À primeira vista, a trama se apresenta como uma comédia de costumes: uma família pobre que, com astúcia, se infiltra na vida de uma família rica, ocupando seus empregos. Mas logo percebemos que o filme não se limita à sátira social. Ele se revela uma obra multifacetada, onde cada cena carrega símbolos e camadas que conversam com questões universais de desigualdade, dignidade e limites invisíveis impostos pela sociedade.
A construção espacial da narrativa é uma das marcas mais brilhantes da direção. Bong organiza o espaço físico como metáfora social: a família Kim vive em um semiporão úmido e mal iluminado, simbolizando a condição de quem está sempre “entre o subterrâneo e a superfície”, nunca plenamente inserido no mundo dos privilegiados. Já os Park vivem em uma casa ampla, moderna, com janelas que se abrem para um jardim iluminado — um verdadeiro paraíso acima do caos urbano. E no ponto mais baixo da hierarquia, literalmente escondido, encontramos o bunker secreto, onde o marido da governanta sobrevive em sombras, invisível ao mundo.
Essa geografia não é apenas cenário, mas uma forma de narrativa. As escadas, descidas e subidas, funcionam como lembrete constante de que a mobilidade social é ilusória: os personagens sobem fisicamente, mas são inevitavelmente arrastados de volta para baixo. A cena da chuva exemplifica isso com maestria: enquanto os Park celebram a “brisa limpa” proporcionada pelo temporal, os Kim veem sua casa inundada e sua vida reduzida a lama. Aqui, Bong evidencia que catástrofes não atingem a todos igualmente — e que a desigualdade define até a maneira como experimentamos o clima.
As microhumilhações também são parte central da narrativa. O “cheiro” dos Kim, constantemente comentado pelos Park, é uma marca invisível de classe. Não se trata apenas de odor físico, mas de um estigma social: por mais que a família se esforce, há algo indelével que denuncia sua origem. A repulsa do Sr. Park diante desse cheiro, especialmente na cena final quando precisa das chaves do carro, não é apenas desprezo individual, mas a materialização de um sistema que mantém as classes rigidamente separadas. É exatamente esse gesto banal de nojo que acende a fúria de Ki-taek, desencadeando o desfecho sangrento.
O uso da “pedra-sábia” é outro recurso simbólico fascinante. Entregue à família Kim como promessa de prosperidade e sorte, ela representa a ilusão da meritocracia e o peso das esperanças depositadas em símbolos vazios. No momento decisivo, a pedra não traz fortuna, mas se volta contra Ki-woo, esmagando-o — uma metáfora cruel de como os sonhos de ascensão social podem se tornar armadilhas. Paralelamente, a devoção quase religiosa de Geun-sae ao Sr. Park, piscando as luzes em código Morse como forma de reverência, revela como a desigualdade não apenas oprime, mas também cria submissões voluntárias, naturalizando a distância entre ricos e pobres.
O final, por sua vez, é um golpe de mestre. Ki-woo imagina um futuro em que enriquece, compra a casa e liberta o pai escondido no porão. Mas a câmera retorna ao semiporão, mostrando que esse plano não passa de um devaneio. Bong nos lembra que a mobilidade social, para a maioria, é uma fantasia cruelmente inalcançável. Parasita não oferece soluções fáceis nem finais reconfortantes; ele escancara, com humor ácido e violência catártica, a brutalidade de um sistema que transforma todos em parasitas — seja consumindo o trabalho alheio ou alimentando-se de ilusões. É um filme que não apenas se assiste, mas que se absorve e se leva consigo, ecoando muito depois da última cena.
A construção espacial da narrativa é uma das marcas mais brilhantes da direção. Bong organiza o espaço físico como metáfora social: a família Kim vive em um semiporão úmido e mal iluminado, simbolizando a condição de quem está sempre “entre o subterrâneo e a superfície”, nunca plenamente inserido no mundo dos privilegiados. Já os Park vivem em uma casa ampla, moderna, com janelas que se abrem para um jardim iluminado — um verdadeiro paraíso acima do caos urbano. E no ponto mais baixo da hierarquia, literalmente escondido, encontramos o bunker secreto, onde o marido da governanta sobrevive em sombras, invisível ao mundo.
Essa geografia não é apenas cenário, mas uma forma de narrativa. As escadas, descidas e subidas, funcionam como lembrete constante de que a mobilidade social é ilusória: os personagens sobem fisicamente, mas são inevitavelmente arrastados de volta para baixo. A cena da chuva exemplifica isso com maestria: enquanto os Park celebram a “brisa limpa” proporcionada pelo temporal, os Kim veem sua casa inundada e sua vida reduzida a lama. Aqui, Bong evidencia que catástrofes não atingem a todos igualmente — e que a desigualdade define até a maneira como experimentamos o clima.
As microhumilhações também são parte central da narrativa. O “cheiro” dos Kim, constantemente comentado pelos Park, é uma marca invisível de classe. Não se trata apenas de odor físico, mas de um estigma social: por mais que a família se esforce, há algo indelével que denuncia sua origem. A repulsa do Sr. Park diante desse cheiro, especialmente na cena final quando precisa das chaves do carro, não é apenas desprezo individual, mas a materialização de um sistema que mantém as classes rigidamente separadas. É exatamente esse gesto banal de nojo que acende a fúria de Ki-taek, desencadeando o desfecho sangrento.
O uso da “pedra-sábia” é outro recurso simbólico fascinante. Entregue à família Kim como promessa de prosperidade e sorte, ela representa a ilusão da meritocracia e o peso das esperanças depositadas em símbolos vazios. No momento decisivo, a pedra não traz fortuna, mas se volta contra Ki-woo, esmagando-o — uma metáfora cruel de como os sonhos de ascensão social podem se tornar armadilhas. Paralelamente, a devoção quase religiosa de Geun-sae ao Sr. Park, piscando as luzes em código Morse como forma de reverência, revela como a desigualdade não apenas oprime, mas também cria submissões voluntárias, naturalizando a distância entre ricos e pobres.
O final, por sua vez, é um golpe de mestre. Ki-woo imagina um futuro em que enriquece, compra a casa e liberta o pai escondido no porão. Mas a câmera retorna ao semiporão, mostrando que esse plano não passa de um devaneio. Bong nos lembra que a mobilidade social, para a maioria, é uma fantasia cruelmente inalcançável. Parasita não oferece soluções fáceis nem finais reconfortantes; ele escancara, com humor ácido e violência catártica, a brutalidade de um sistema que transforma todos em parasitas — seja consumindo o trabalho alheio ou alimentando-se de ilusões. É um filme que não apenas se assiste, mas que se absorve e se leva consigo, ecoando muito depois da última cena.
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