O longa nos apresenta Chihiro, uma ex-trabalhadora sexual que atualmente atende em uma pequena loja de bentôs numa cidade litorânea. À primeira vista, alguém poderia julgá-la por seu passado — e o filme faz questão de nos mostrar o quão superficial e injusto é esse impulso humano. Sua trajetória revela que a vida é feita de conexões: com os outros, com nós mesmos, com aquilo que não se explica, mas se sente. Chihiro é a prova viva de que valor não nasce de rótulos, mas da forma como olhamos e tocamos quem cruza nosso caminho.
Logo na primeira cena, vemos Chihiro brincando com um gato. Simples, aparentemente banal — mas reveladora. A forma como tratamos os animais frequentemente espelha a forma como tratamos pessoas. E com Chihiro isso se confirma a cada interação: ela cumprimenta clientes com calor, entrega afetos espontâneos, escuta com sinceridade. Nada nela soa performático. Ela não tenta conquistar ninguém; ela existe em bondade — pura, transparente, sem cálculo.
Acompanhamos seus encontros ao longo do filme: o senhor sem-teto que ela acolhe com comida, companhia e dignidade até mesmo após sua morte; as duas adolescentes que encontram em Chihiro a aceitação que falta em suas próprias casas; Makoto, o menino solitário cuja tentativa de agradar a mãe vira motivo de conflito e injustiça — e que Chihiro defende com firmeza e empatia. Cada relação revela não apenas o mundo fragmentado dessas pessoas, mas também a capacidade de Chihiro de enxergar além das dores, além das máscaras, além dos julgamentos.
Há ainda seu reencontro silencioso com uma mulher que perdeu a visão — uma relação carregada de camadas, sutilezas e um afeto que, mesmo não dito, parece preencher lacunas que Chihiro carrega desde sempre. Ali, o filme nos lembra que família também se constrói fora dos laços tradicionais — às vezes nos lugares mais improváveis.
Mesmo quando Chihiro se questiona sobre amor e relacionamentos, fica claro que ela não teme amar — ela teme perder sua liberdade e sua verdade em vínculos que exigem mais do que entregam. Talvez por isso ela seja essa brisa que passa, toca, transforma… e segue adiante. Seu nome, “mil perguntas”, encaixa perfeitamente: Chihiro é enigma, é vento, é algo que não se prende, não se define, não cabe em um único significado.
O filme tem uma beleza triste, quase melancólica. Ele mostra pessoas perdidas em seus próprios planetas — isoladas, machucadas, carregando dores silenciosas. E ainda assim, Chihiro consegue conectar esses mundos que pareciam inalcançáveis uns aos outros. Sua bondade funciona como um catalisador: ela une, ilumina, aquece… e, quando cumpre sua missão, parte como quem devolve o sopro de vida ao universo.
A última cena, com Chihiro olhando o horizonte, é especialmente tocante. Pela primeira vez, há uma faísca de pertencimento em seu olhar — como se a própria jornada que ela inspirou nas outras pessoas finalmente tivesse encontrado espaço dentro dela.
A cinematografia contribui de maneira poética para essa atmosfera: luz natural, paisagens abandonadas, tons suaves, tudo compondo um retrato sensível da solidão e da beleza contida nas pequenas coisas. As atuações reforçam essa delicadeza — Kasumi Arimura é simplesmente encantadora, entregando nuances emocionais profundas e autênticas.
Apesar de tudo isso — e aqui entra minha visão pessoal — o filme também é muito lento. Lindo, poético, cheio de significado… mas lento. Tão lento que, em alguns momentos, me distanciou da narrativa. Eu queria ter me conectado mais, sentido mais profundamente aquilo que o filme propõe. A beleza está lá, sem dúvida; a emoção, também — mas às vezes elas chegam devagar demais.
Mesmo assim, Call Me Chihiro é um filme que permanece. Uma obra que lembra que todos nós, em algum momento, precisamos de alguém que nos enxergue como realmente somos. E, principalmente, nos inspira a sermos um pouco mais Chihiro na vida dos outros.
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O mérito da obra está na forma como brinca com a percepção: conforme avançamos na trama, a dúvida sobre o que aconteceu — e, principalmente, sobre quem as pessoas realmente são — vai crescendo até consumir quem assiste. O roteiro, de maneira hábil, joga certezas no ar e recolhe de volta, como se tudo fosse instável: memórias, identidades, certezas. Isso faz com que cada cena seja carregada — não só de suspense, mas de angústia, temor e expectativa.
A direção de Jang Hang-jun tem uma sensibilidade impressionante para o clima. A ambientação — especialmente a casa da família — funciona quase como personagem: cada corredor, cada sombra, cada cômodo carrega uma atmosfera sufocante, de apreensão. Esse cuidado cria um clima de tensão constante, que nunca relaxa — exatamente o que se espera de um thriller psicológico bem feito.
Mas não é só atmosfera e estética: as atuações, especialmente de Kang Ha-neul, que vive Jin-seok, são um dos pilares que sustentam o filme. Ele consegue transmitir com intensidade a angústia, a dúvida e o desespero de quem tenta encontrar respostas em meio ao caos. Essa carga emocional é primordial para o impacto psicológico da história.
O enredo, por sua vez, equilibra habilmente o horror do mistério com camadas de drama familiar e crise existencial: a desorientação de quem viu alguém voltar, mas já não é a mesma pessoa; a dúvida sobre até que ponto lembranças e percepções podem ser confiáveis. Esse entrelaçamento faz de Rastros de um Sequestro uma experiência muito maior do que “só mais um suspense”: é uma jornada perturbadora pela identidade e pela memória.
E o clímax… meu amigo, aquele final — imprevisível, com reviravoltas que desorientam e te fazem questionar tudo que viu até ali — reafirma a genialidade da construção narrativa. Quando o filme termina, não resta alívio — resta uma inquietação profunda, perguntas sem respostas e aquela dor de pensar “e se fosse comigo?”. Esse tipo de impacto é raro no cinema.
Em resumo: Rastros de um Sequestro não é apenas um bom filme — é um filme essencial para quem curte cinema que vai além do entretenimento fácil. Ele incomoda, pressiona, desafia. Ele te prende, te envolve, te transforma. Se você topar embarcar nessa jornada — com mente aberta e coração forte — vai sair diferente do que entrou. Um thriller psicológico visceral, honesto e poderoso.
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Esses flashbacks mostram o horror da violência escolar e o fracasso de instituições que deveriam protegê-la — professores e autoridades que ignoram os apelos, famílias poderosas que cobrem crimes, socialização de privilégios. O drama não economiza no realismo brutal do trauma: as cicatrizes físicas são visíveis, mas as marcas psicológicas, o medo, o isolamento e o abandono são retratados com sensibilidade. O arco da vingança, então, não é impulsivo — é metódico, calculado e obsessivo: Dong-eun dedica anos da vida a arquitetar a retaliação. A forma como o roteiro estrutura essa vingança — com paciência, estratégia e tensão crescente — é um dos pontos mais fortes da obra. A sua metamorfose de vítima vulnerável para estrategista fria e determinada é perturbadora, mas convincente.
Falando de personagens: além de Dong-eun, há a antagonista central, Park Yeon‑jin — líder do grupo de agressores. Essa personagem, rica, influente, acostumada à impunidade, representa o sistema de privilégios que torna o abuso invisível e impune. A transformação dela — de “rainha do colégio” a mulher bem-sucedida, com marido, filha, carreira — contrasta brutalmente com as cicatrizes da vítima. E à medida que a vingança progride, a derrocada de Yeon-jin se torna dramaticamente satisfatória, mas também dolorosa — a máscara de perfeição vai caindo.
O elenco coadjuvante colabora fortemente para dar complexidade e densidade à narrativa. Entre eles, Joo Yeo‑jeong (interpretado por Lee Do‑hyun) surge como aliado da protagonista, alguém com seu próprio passado complicado, envolto em ambiguidade moral e emoção — o que adiciona camadas interessantes à história. Também há personagens que simbolizam resistência, sobrevivência e complicações: aliados inesperados, vítimas de outras violências, pessoas que ajudam Dong-eun por empatia, o que contrasta com a crueldade dos agressores.
Do ponto de vista da produção, direção e estilo visual, The Glory acerta com força. A direção — por Ahn Gil Ho — e a escrita de Kim Eun-sook conseguem equilibrar tensão, horror e sutileza psicológica. A fotografia, a ambientação, os contrastes de luz e sombra ajudam a criar a atmosfera de angústia, culpa e obsessão, tornando o drama não apenas uma história de vingança, mas um retrato de trauma e suas consequências profundas.
Mas nem tudo é impecável — há aspectos que incomodam, e considero importante dizer isso. A violência é extremamente gráfica; para pessoas sensíveis ou com histórico de trauma, certas cenas podem ser muito pesadas, talvez até angustiantes demais. Algumas subtramas secundárias — personagens coadjuvantes, motivações de alguns “aliados”, ou determinados arcos de apoio — ficam aquém do potencial: há momentos em que personagens parecem subdesenvolvidos, e suas escolhas não têm o impacto que deveriam. Também a própria estrutura de vingança — por mais satisfatória que seja do ponto de vista narrativo — levanta questões morais: até que ponto a vingança cura? Ou apenas perpetua dor? O final, embora muitas pontas sejam amarradas, deixa um gosto ambíguo: justiça é feita, mas a que custo? A protagonista conquista o que queria — mas a que preço emocional? A série parece perguntar exatamente isso, e não dá respostas fáceis.
Em resumo: The Glory é uma obra madura, intensa e corajosa — talvez uma das mais poderosas do gênero thriller/vingança dos últimos anos. Ela não romantiza dor nem trauma: mostra o horror real da violência escolar e as cicatrizes invisíveis que ficam. É uma história de dor, justiça, desespero, e — em algum nível — de reconstrução. Se alguém pergunta se vale a pena assistir, diria: vale, desde que esteja preparado para olhar de frente o lado mais sombrio da condição humana — e para refletir sobre justiça, culpa, impunidade e a busca por reparação.
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Esses flashbacks mostram o horror da violência escolar e o fracasso de instituições que deveriam protegê-la — professores e autoridades que ignoram os apelos, famílias poderosas que cobrem crimes, socialização de privilégios. O drama não economiza no realismo brutal do trauma: as cicatrizes físicas são visíveis, mas as marcas psicológicas, o medo, o isolamento e o abandono são retratados com sensibilidade. O arco da vingança, então, não é impulsivo — é metódico, calculado e obsessivo: Dong-eun dedica anos da vida a arquitetar a retaliação. A forma como o roteiro estrutura essa vingança — com paciência, estratégia e tensão crescente — é um dos pontos mais fortes da obra. A sua metamorfose de vítima vulnerável para estrategista fria e determinada é perturbadora, mas convincente.
Falando de personagens: além de Dong-eun, há a antagonista central, Park Yeon‑jin — líder do grupo de agressores. Essa personagem, rica, influente, acostumada à impunidade, representa o sistema de privilégios que torna o abuso invisível e impune. A transformação dela — de “rainha do colégio” a mulher bem-sucedida, com marido, filha, carreira — contrasta brutalmente com as cicatrizes da vítima. E à medida que a vingança progride, a derrocada de Yeon-jin se torna dramaticamente satisfatória, mas também dolorosa — a máscara de perfeição vai caindo.
O elenco coadjuvante colabora fortemente para dar complexidade e densidade à narrativa. Entre eles, Joo Yeo‑jeong (interpretado por Lee Do‑hyun) surge como aliado da protagonista, alguém com seu próprio passado complicado, envolto em ambiguidade moral e emoção — o que adiciona camadas interessantes à história. Também há personagens que simbolizam resistência, sobrevivência e complicações: aliados inesperados, vítimas de outras violências, pessoas que ajudam Dong-eun por empatia, o que contrasta com a crueldade dos agressores.
Do ponto de vista da produção, direção e estilo visual, The Glory acerta com força. A direção — por Ahn Gil Ho — e a escrita de Kim Eun-sook conseguem equilibrar tensão, horror e sutileza psicológica. A fotografia, a ambientação, os contrastes de luz e sombra ajudam a criar a atmosfera de angústia, culpa e obsessão, tornando o drama não apenas uma história de vingança, mas um retrato de trauma e suas consequências profundas.
Mas nem tudo é impecável — há aspectos que incomodam, e considero importante dizer isso. A violência é extremamente gráfica; para pessoas sensíveis ou com histórico de trauma, certas cenas podem ser muito pesadas, talvez até angustiantes demais. Algumas subtramas secundárias — personagens coadjuvantes, motivações de alguns “aliados”, ou determinados arcos de apoio — ficam aquém do potencial: há momentos em que personagens parecem subdesenvolvidos, e suas escolhas não têm o impacto que deveriam. Também a própria estrutura de vingança — por mais satisfatória que seja do ponto de vista narrativo — levanta questões morais: até que ponto a vingança cura? Ou apenas perpetua dor? O final, embora muitas pontas sejam amarradas, deixa um gosto ambíguo: justiça é feita, mas a que custo? A protagonista conquista o que queria — mas a que preço emocional? A série parece perguntar exatamente isso, e não dá respostas fáceis.
Em resumo: The Glory é uma obra madura, intensa e corajosa — talvez uma das mais poderosas do gênero thriller/vingança dos últimos anos. Ela não romantiza dor nem trauma: mostra o horror real da violência escolar e as cicatrizes invisíveis que ficam. É uma história de dor, justiça, desespero, e — em algum nível — de reconstrução. Se alguém pergunta se vale a pena assistir, diria: vale, desde que esteja preparado para olhar de frente o lado mais sombrio da condição humana — e para refletir sobre justiça, culpa, impunidade e a busca por reparação.
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“Fome de Sucesso” (“Hunger”) é daqueles filmes que você começa achando que vai ver um drama culinário estiloso, mas termina sentindo como se tivesse engolido, sem respirar, um tratado sobre ambição, desigualdade e o preço da relevância. É um banquete emocional servido queimando — daqueles que não alimentam, mas remexem. Porque existe uma fome que é física, sim, mas existe outra que nasce fundo no peito: a fome de provar que você importa. E é essa que arde mais.A trajetória de Aoy, uma jovem cozinheira de rua que entra na elite gastronômica tailandesa, é um mergulho brutal na pergunta que o filme repete em silêncio: o que você está disposto a sacrificar para ser alguém? Ela entra pelo sabor, fica pela promessa de ascensão e, aos poucos, percebe que está em um mundo onde técnica importa menos do que ego — e onde ser “especial” exige um tipo de renúncia que ninguém avisa qual é. Quando ela encontra Chef Paul, tudo muda de temperatura: ele não ensina, ele pressiona; não inspira, ele espreme; transforma o ato de cozinhar em uma arena onde só sobrevivem os mais famintos.
A dinâmica entre os dois é o motor do filme. Paul representa a fome que nunca se sacia — a ganância de quem precisa ser venerado para existir. Aoy ainda tenta sustentar a ideia de que comida é afeto, memória, pertencimento. Ele cozinha como um aviso; ela tenta cozinhar como um abraço. E é nessa colisão que o filme encontra seu brilho: não existe certo ou errado — só existências diferentes tentando sobreviver no mesmo fogo alto. A crítica à elite tailandesa surge através da gastronomia: rica, teatral, grotesca. O filme até exagera, repete imagens, empurra a metáfora mais do que precisa… mas justamente por isso impacta.
Quando Aoy abandona Paul e aceita o convite de Tos para ser a chef principal de um restaurante glamouroso, ela descobre que saiu do fogo para cair no maçarico. Antes de ser uma cozinheira, vira produto. Antes de ser artista, vira marketing. A cena da disputa final com Paul, envolvendo pratos lindos, sanguinolentos e quase ritualísticos, não fala sobre comida — fala sobre status, sobre a obsessão de ser aplaudido por quem não entende o que consome. É desconfortável, teatral e, às vezes, até repetitivo, mas funciona: a ostentação é tão vazia que grita.
“Hunger” acerta quando questiona o real valor das coisas. É caro porque é especial, ou é especial porque é caro? É sabor ou é espetáculo? É talento ou é narrativa? O filme responde com cinismo: muitas vezes, não importa. A elite consome símbolos, não comida. E os pobres, como diz o texto, comem para sobreviver — mas quando sobra, a fome deixa de ser necessidade e vira ganância. O filme não oferece soluções nem finais fáceis; apenas revela como é assustadoramente simples se transformar naquilo que você criticava.
No fim, “Fome de Sucesso” não é perfeito. É longo, às vezes repetitivo na caricatura dos ricos, e podia equilibrar melhor o tom. Mas ainda assim é um soco necessário — um filme que provoca, incomoda e deixa gosto amargo. Não é sobre culinária; é sobre escolha. Sobre descobrir até onde você vai por reconhecimento. E sobre perceber, tarde demais, que para alimentar um sonho você pode acabar devorando partes essenciais de si. É um filme que não sacia, mas marca — daqueles que continuam cozinhando dentro da gente depois que a tela fica preta.
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Past Lives (2023) é um daqueles filmes que não apenas contam uma história — eles se sentam ao seu lado, seguram sua mão e, em silêncio, despertam memórias que você nem sabia que ainda estavam guardadas. Dirigido por Celine Song, o filme acompanha Nora e Hae Sung, duas crianças coreanas inseparáveis que se perdem quando a família de Nora decide imigrar para o Canadá. Esse rompimento abrupto, aos 12 anos, cria um vazio que atravessa décadas. Song filma esse espaço com uma delicadeza tão precisa, tão íntima, que parece escrever diretamente nos interstícios entre o que vivemos e o que apenas imaginamos. A cada cena, o filme parece perguntar: o que fazemos com o amor que não pôde acontecer?Anos depois, já adulta e morando em Nova York, Nora reencontra Hae Sung pela internet. Ele está em Seul, ela está descobrindo quem deseja ser — e entre eles renasce aquela conexão infantil, agora carregada de novas camadas. As videochamadas deles são tímidas, cheias de pausas, mas cada silêncio carrega um mundo. Song transforma esses diálogos digitais em algo quase sagrado; há um cuidado imenso em como a direção enquadra telas, distâncias e impossibilidades. O roteiro entende a profundidade das emoções contidas, permitindo que o amor deles exista sem pressa, sem definições, sem garantias.
Mas Nora, determinada a construir sua carreira literária, decide interromper esse contato. Ela sente que, para seguir seu caminho, precisa soltar aquilo que ficou no passado — ainda que doa. Ela se muda emocionalmente para longe da Coreia pela segunda vez. Hae Sung respeita, mas fica. E o tempo passa. Esse movimento é filmado com uma maturidade rara: Past Lives não trata o amor deles como algo imaturo, e sim como algo impossível naquele momento da vida. É aqui que o filme nos apresenta o conceito coreano de in-yeon, a ideia de que certas conexões atravessam vidas, destinos e circunstâncias, mesmo quando não se realizam plenamente.
Ao mesmo tempo, Nora conhece Arthur em um retiro de escritores. Ele é doce, gentil, vulnerável — um porto seguro. Eles se apaixonam, vivem juntos, se casam. E Past Lives, com uma honestidade desconcertante, mostra que Nora ama Arthur, mas há algo nela que pertence a um passado que ele não viveu. Arthur não é o vilão; muito pelo contrário, ele é um homem que reconhece a profundidade da história que veio antes dele. O filme é generoso ao mostrar que lealdade, amor e memória não são opostos, mas forças que coexistem dentro de nós de maneiras muitas vezes dolorosas.
Tudo muda quando, depois de 24 anos, Hae Sung decide ir a Nova York para ver Nora. Ele não vai para destruí-la, não vai para “tomá-la de volta”. Ele vai para, finalmente, olhar nos olhos dela. As caminhadas deles pela cidade são carregadas de tensão e ternura. Eles conversam muito, mas dizem pouco. Cada olhar é um universo inteiro. Song filma esses momentos com um respeito quase espiritual: não há grandes declarações, apenas o reconhecimento silencioso de que eles se amam — e de que talvez isso nunca tenha sido suficiente para colocá-los no mesmo lugar, ao mesmo tempo, da mesma forma.
No reencontro dos três — Nora, Hae Sung e Arthur — o filme atinge sua potência máxima. Nenhum deles está errado. Nenhum deles é vilão. São três vidas tentando existir onde o amor e o tempo não se alinharam. Arthur sabe que é o presente de Nora, mas também entende que Hae Sung representa seu passado mais profundo. Hae Sung percebe que Nora não pertence mais à vida que ele imaginou para os dois. E Nora, dividida entre raízes e escolhas, percebe que o amor pode ser verdadeiro e, ainda assim, não ser realizável.
O final é uma obra-prima de contenção. Nora acompanha Hae Sung até o carro que o levará de volta ao hotel. Eles se despedem sem arranhões, sem confissões proibidas — apenas com a dignidade de quem entende que algumas histórias são completas mesmo sem final romântico. Quando ele parte, Nora volta para casa e, pela primeira vez, desaba em lágrimas. É o choro pesado de quem reconhece que algo muito importante está acabando. Não por falta de amor, mas porque a vida seguiu. Porque eles mudaram. Porque o tempo, às vezes, é mais forte que o sentimento.
Past Lives te desmonta porque te obriga a revisitar suas próprias vidas passadas — não as espirituais, mas aquelas versões antigas de você que amaram, sonharam, imaginaram futuros possíveis com pessoas que ficaram pelo caminho. É um filme que transforma saudade em matéria-prima e silêncio em linguagem. Ele faz você pensar em quem foi, em quem poderia ter sido e em quem ainda é. E, no fim, deixa uma verdade simples, dolorida e linda: às vezes amar não é ficar; é reconhecer a beleza do que poderia ter sido.
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O romance que nasce entre eles, enquanto estudam no Japão, é belo na sua intimidade intelectual e artística. Eles compartilham mais do que atração: compartilham ideias, angústias, sonhos. Mas a tragédia está inscrita desde cedo: Woo-jin é casado por imposição, preso a obrigações que o envenenam por dentro; Sim-deok está sujeita a julgamentos morais, escândalos e à instabilidade financeira. Essa impossibilidade social — somada ao peso do patriarcado, das expectativas familiares e da ocupação colonial — constrói o silêncio entre eles, e esse silêncio grita. Visualmente, o dorama é sutil, quase poético em sua melancolia. A fotografia, segundo várias críticas, ajuda a amplificar esse clima de sombra emocional.
Há momentos em que parece que as cenas respiram devagar, permitindo que a dor dos personagens ecoe no ar, sem precisar de grandes explosões dramáticas para nos comover. Essa delicadeza pode ser vista como virtude, mas também revela um limite: por ser uma minissérie curta (só três episódios de aproximadamente uma hora cada, segundo a Netflix) , algumas camadas se perdem, e sentimos falta de aprofundamento — nas peças de Woo-jin, nos conflitos familiares mais amplos, na carreira de Sim-deok.
No entanto, o peso emocional permanece. A trilha sonora é envolvente, e há uma ponte simbólica importantíssima entre arte e morte: Sim-deok grava a canção “Praise of Death” (ou “Louvor à Morte”), que ecoa como uma prece final. A canção, baseada numa melodia europeia (“Waves on the Danube”), é transformada por sua voz numa despedida e numa afirmação: morrer é a forma mais sincera de resistência, se a vida lhe nega liberdade. Historicamente, essa gravação realista foi um marco — e se tornou parte permanente da memória cultural coreana.
O desfecho é devastador: no navio de volta à Coreia, Woo-jin e Sim-deok se dão as mãos, dançam num momento de paz silente — não há gritos, apenas uma aceitação tragicamente serena de que a única estrada para estarem juntos é mergulhar no mar. Essa cena final é punhal: é tanto a consumação do amor impossível quanto o derradeiro gesto de agência, mesmo que doloroso. Eles escolhem sua forma de existir — não mais sob regras alheias, mas na própria decisão de partir.
Refletindo sobre tudo isso, Louvor à Morte vai além do melodrama de casal trágico: é uma meditação sobre a liberdade que a sociedade nega, sobre a arte como refúgio e sobre o paradoxo de encontrar a vida na morte. Woo-jin e Sim-deok não são apenas amantes proibidos; são duas almas feridas que se recusam a aceitar papéis impostos e buscam uma transcendência que transcende o sofrimento. Sua morte não é fuga tácita, mas um protesto — um cântico final, triste e corajoso, que ecoa como um lamento de quem não teve escolha, mas tinha convicção. Por mais curto que seja, o dorama deixa uma marca. Ele nos obriga a pensar: o que significa viver do nosso jeito? Quanto de nós mesmos estamos dispostos a sacrificar para sobreviver? E se, às vezes, a morte pode parecer o único ato de liberdade que resta? É uma história que dói, sim, mas que ressoa com a beleza crua de um amor que se recusa a ser diminuído pela conformidade.
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O elenco é um show à parte — e eu preciso destacar isso porque, sinceramente, performances ruins destruiriam um filme desse gênero. Song Kang-ho é impecável como o detetive que tenta resolver a crise em terra, e Lee Byung-hun traz um sofrimento calado que pesa, mas emociona. Até o vilão interpretado por Im Si-wan me surpreendeu pela frieza assustadora. Muitos comentários no kisskh elogiam justamente esse ponto, e eu concordo totalmente: o elenco carrega o filme nas costas.
Mas, apesar de tudo isso, preciso admitir: o filme dá uma estacionada no meio. A narrativa começa com um ritmo acelerado, te joga no caos e depois… segura demais. É como se o suspense fosse substituído por uma longa reflexão política e moral que até tem seu valor, mas quebra a adrenalina que vinha sendo construída. Em alguns momentos, eu me vi pensando: “ok, e aí?” A tensão perde força, e isso deixa o miolo do filme menos envolvente do que poderia ser.
Comparando com outros títulos do gênero, principalmente Hijack 1971, sinto que Alerta de Emergência perde um pouco da contundência. Hijack 1971 mantém o ritmo tenso do início ao fim e consegue equilibrar emoção e ação de maneira mais uniforme. Aqui, apesar da produção impecável e do drama humano profundo, a narrativa flutua — justamente onde deveria apertar mais o cerco. Não é que o filme seja ruim, longe disso, mas no comparativo ele parece mais contido, menos urgente.
Por outro lado, volto a destacar o quanto a direção acerta visualmente. As cenas dentro do avião têm uma claustrofobia tão bem construída que até eu comecei a me sentir preso junto dos passageiros. A trilha sonora ajuda muito a manter o clima, e os efeitos, mesmo quando exagerados, funcionam dentro da proposta. É um filme bonito, intenso, que tenta e consegue ser mais que apenas um blockbuster de desastre.
Mesmo com o ritmo mais lento no meio, a parte final traz de volta o impacto emocional. Há momentos realmente fortes sobre empatia, solidariedade, escolhas impossíveis e até sobre o papel dos governos em crises globais — temas que me pegaram muito porque conversam com o mundo real e com nossos próprios medos coletivos. Alerta de Emergência tenta ser humano antes de ser apenas espetacular, e isso, para mim, é um dos seus maiores trunfos.
No fim das contas, saí da sessão com a sensação de que vi um ótimo filme, mesmo que imperfeito. É intenso, bem atuado, visualmente impressionante e com uma carga emocional que raramente vejo em produções do gênero. Mas não posso negar: ele poderia ser ainda melhor se não ficasse tão parado no meio. E, sim, se eu tiver que escolher um título mais redondo, ainda fico com Hijack 1971. Mas Alerta de Emergência merece ser visto — e sentido — nem que seja pelo impacto humano que ele carrega nos seus momentos mais poderosos.
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A história acompanha Baek Su-jeong, uma mulher determinada e competente que trabalha como líder de equipe de planejamento em uma grande loja de departamentos. Durante sua juventude, ela era uma gamer ativa e jogava online sob o apelido “White Cat”, onde conheceu o misterioso jogador “Black Dragon”. Eles desenvolveram uma conexão virtual intensa e decidiram se encontrar pessoalmente — mas o encontro acabou em desastre, deixando uma lembrança amarga e humilhante para os dois. Anos depois, o destino dá uma reviravolta: o novo chefe de Su-jeong na empresa é ninguém menos que Ban Ju-yeon, o antigo “Black Dragon”. A partir daí, o passado retorna para confrontá-los, agora em meio às pressões do mundo corporativo, e o embate entre os dois reacende sentimentos inesperados.
Apesar de girar em torno de situações cômicas e constrangedoras, My Dearest Nemesis nunca cai na superficialidade. Há momentos surpreendentemente emocionantes que revelam as vulnerabilidades dos protagonistas, mostrando como ambos amadureceram desde aquele episódio do passado. Su-jeong, que aprendeu a endurecer o coração para ser respeitada no trabalho, reencontra em Ju-yeon o espelho das suas inseguranças e a chance de reavaliar o que perdeu ao tentar apagar o passado. Já Ju-yeon, por trás de sua postura fria e racional, guarda arrependimentos e uma vontade genuína de reconciliação. Essa camada emocional dá ao dorama uma sensibilidade rara dentro do gênero.
Os protagonistas têm uma química envolvente e divertida, equilibrando sarcasmo e ternura de um jeito encantador. As brigas são repletas de ironia e orgulho, mas aos poucos se transformam em momentos de cumplicidade e vulnerabilidade. O roteiro acerta ao não apressar o romance: a relação evolui de forma gradual, com pequenos gestos, olhares e diálogos que deixam o público torcendo pelo casal. Esse ritmo suave e natural reforça o caráter leve da obra, mostrando que o amor pode florescer mesmo depois de mal-entendidos e feridas antigas.
A direção e a fotografia ajudam a consolidar o clima acolhedor e divertido da série. As cores vibrantes, os enquadramentos luminosos e a trilha sonora charmosa contribuem para a sensação de conforto que o dorama transmite. Cada episódio combina humor, emoção e reflexões sutis sobre amadurecimento e segundas chances — tudo sem perder o toque leve que faz da comédia romântica um gênero tão querido.
No fim, My Dearest Nemesis se revela uma história sobre reconciliação e crescimento. Fala sobre como o tempo muda as pessoas, mas também como certas conexões permanecem, mesmo depois de anos. É uma comédia romântica que diverte, aquece o coração e deixa um sorriso sincero no rosto. Ao invés de apostar em grandes dramas, a série escolhe a doçura do cotidiano e a delicadeza das relações humanas, entregando uma narrativa leve, engraçada e comovente — daquelas que lembram por que amamos tanto o amor.
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“My First Client”: Um grito sufocado contra a indiferença
“My First Client” é um daqueles filmes que não apenas tocam, mas dilaceram o espectador por dentro. Baseado em fatos reais, o longa sul-coreano dirigido por Jang Gyu-sung se transforma em uma dolorosa denúncia social — uma ferida aberta que expõe o desamparo das crianças vítimas de violência doméstica e a negligência de uma sociedade que prefere fechar os olhos. É impossível sair ileso. A história de Da Bin e de seu irmão não é apenas ficção: é o retrato cru de uma realidade que ainda persiste, em que o silêncio dos vizinhos e a brandura das leis colaboram com o ciclo do abuso.O roteiro acompanha o advogado Jung Yup (interpretado magistralmente por Lee Dong-Hwi), um homem inicialmente desleixado, sem grandes pretensões éticas, que acaba se envolvendo em um caso que mudará para sempre sua visão de mundo. O contraste entre sua apatia inicial e o despertar moral diante do sofrimento de Da Bin é o coração do filme. A narrativa, longe de ser maniqueísta, mostra o quanto a indiferença pode ser tão criminosa quanto o próprio ato de violência. Jung Yup não é o herói idealizado dos dramas jurídicos — ele é falho, relutante, humano. E talvez por isso sua jornada seja tão impactante: ela espelha o que muitos espectadores sentem diante da injustiça — o medo de agir, a dúvida, a consciência tardia.
Mas é em Da Bin, a menina que carrega o trauma e a pureza perdida, que o filme encontra sua alma. A jovem atriz entrega uma performance devastadora, capaz de transmitir desespero e inocência com uma naturalidade assustadora. Suas lágrimas parecem reais, e talvez sejam — tamanha a intensidade das cenas de abuso e negligência que o roteiro não poupa do público. Já Yoo Sun, no papel da madrasta, entrega uma atuação igualmente poderosa — e terrivelmente perturbadora. Saber que muitas atrizes recusaram o papel por seu peso moral apenas reforça a coragem e o propósito da atriz, que aceitou o desafio para provocar reflexão. O ódio que ela desperta é o espelho da monstruosidade real que o filme denuncia.
A trilha sonora e a direção de fotografia se unem de forma quase simbiótica. Os acordes tristes e as cordas melancólicas acompanham a dor da protagonista como uma sombra constante, reforçando a atmosfera sombria e realista do longa. Há uma tensão contida em cada cena doméstica, uma angústia silenciosa que o espectador sente antes mesmo de algo acontecer. O filme evita o sensacionalismo e aposta em uma estética crua, sem artifícios, o que torna o impacto emocional ainda mais brutal. É impossível não chorar — e não sentir raiva.
Do ponto de vista social, “My First Client” é um manifesto. Ele escancara a falha das instituições jurídicas e o descaso coletivo diante do sofrimento infantil. O filme denuncia a absurda brandura das punições impostas a abusadores, como se uma advertência ou multa fosse capaz de reparar uma infância destruída. O espectador é forçado a encarar uma pergunta que ecoa até depois dos créditos: se o Estado, a polícia e os vizinhos não protegem, quem o fará? A frase “não é da minha conta” ressoa como um epitáfio moral — uma sentença que legitima a violência e perpetua o abandono.
A força de “My First Client” está também em seus contrastes. O filme equilibra, de forma sutil, momentos de leveza e humor entre Jung Yup e as crianças, que impedem a narrativa de se afundar totalmente na escuridão. Essas breves fagulhas de humanidade são fundamentais: lembram ao público que, mesmo em meio à dor, ainda há espaço para bondade e empatia. A relação entre Jung Yup e Jang Ho — o menino que ajuda Da Bin — é um respiro de ternura em meio ao caos. Eles simbolizam o que o mundo precisa ser: adultos e crianças unidos contra a crueldade, não cúmplices do silêncio.
Por fim, a cinematografia é impecável. A câmera não busca o espetáculo, mas a verdade. Cada enquadramento carrega uma intenção emocional: os close-ups em Da Bin revelam não apenas o medo, mas a impotência de uma criança que perdeu a fé nos adultos. O filme termina deixando perguntas abertas — o destino de Da Bin, a inércia da justiça, a repetição desse ciclo —, e talvez essa seja sua maior força. “My First Client” não quer oferecer consolo, mas incômodo. Ele é um lembrete doloroso de que o mal não se perpetua apenas pelos que o praticam, mas também pelos que se calam. Uma obra necessária, triste e profundamente humana — daquelas que permanecem na mente e no coração muito depois da última cena.
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Desde o primeiro instante, o filme te leva para o túnel de sonhos e realidades de Jian Qing e Fang Xiao Xiao — dois jovens carregados de ambição, esperança e saudade, que se conhecem num trem de volta pra casa no Ano-Novo Chinês e, pouco a pouco, vão construindo juntos um mundo que parece infinito. As cenas do passado, filmadas em cores, se abrem como um álbum de memórias felizes: os dois rindo juntos, dividindo quartos apertados, sonhando com algo maior. Já o presente, em preto-e-branco, empresta à narrativa um peso de silêncio, de tudo o que ficou no ar — as oportunidades perdidas, os ressentimentos não ditos, o amor que demorou a se reconhecer.
O que me deixa ainda mais abalada é como o filme entorta o que a gente normalmente espera de “amor para sempre”. Aqui, o amor existe — existe de verdade, intenso, palpável — mas não é suficiente. Xiao Xiao e Jian Qing se amam, e esse amor molda partes deles, mas também se desgasta diante do peso da realidade: o trabalho duro, a mudança de cidade, o valor de uma moradia, o pai que cobra, o sonho que vira rotina. É doloroso porque a gente se reconhece nesses dois — quantas vezes deixamos de falar “eu te amo” ou “me desculpa” porque achávamos que dava pra esperar? Quantas vezes deixamos o silêncio crescer onde deveria haver diálogo?
A direção visual é de cair o queixo e também de rasgar o peito. A escolha de cores, o contraste entre passado feliz e presente sombrio, a sensação de espaço apertado em apartamentos baratos e o horizonte grandioso de Pequim contribuem para que você mergulhe de cabeça no mundo interno dos personagens. E não é só paisagem: a atuação de Zhou Dongyu (como Xiao Xiao) e Jing Boran (como Jian Qing) é crua, autêntica — há um tormento escondido atrás dos sorrisos, e você sente cada vacilo, cada afastamento, cada “tentativa de conversar” falhando.
Uma das cenas mais marcantes — e que resume toda a essência do filme — é o momento em que Jian Qing joga seu videogame e vemos Ian, o personagem que ele criou, tentando desesperadamente encontrar Kelly. É ali que o simbolismo atinge o auge: o jogo é o reflexo da própria vida de Jian Qing, um ciclo de tentativas de reencontro com algo que já se perdeu. Quando ele diz que, se Ian não encontrar Kelly, “tudo será sem cor”, entendemos que o preto e branco do presente é a metáfora perfeita para a ausência de amor, arrependimento e desconexão. Essa cena transforma um simples jogo em um espelho emocional — um lembrete de que, às vezes, passamos a vida tentando reprogramar o que não tem volta, buscando um “final feliz” dentro de um código que já foi escrito. É poético e devastador ao mesmo tempo, e faz a gente pensar em quantas vezes tentamos “editar” o passado, quando o que realmente precisávamos era aprender a dizer o que sentimos enquanto ainda havia cor.
Mas – e esse é o ponto que eu mais quero que você sinta – o filme serve pra nos lembrar não esperar demais para dizer que amamos. A vida não espera para comprar ingressos; os sonhos mudam, as pessoas mudam, e o que era cor vívida pode se tornar preto-e-branco se deixarmos o tempo passar. “Se você vir a Kelly, diga a ela que sinto muito” (adaptando a frase pra o nosso contexto) – esse “sinto muito” é tão poderoso quanto um “eu te amo”. É urgente. É agora. Porque talvez amanhã já seja tarde.
No fim das contas, Us and Them não nos dá uma conclusão óbvia ou um “felizes para sempre”. Ao invés disso, nos dá algo mais real: o amor pode ter servido para formar quem somos, não necessariamente para manter-nos juntos para sempre. E isso não é menos belo — é mais humano. É uma despedida, uma compreensão de que, às vezes, amar é deixar ir, ou amar é crescer além do “nós”. É agridoce, sim. E dói. Mas vale.
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O filme se destaca pela forma como mistura ação e emoção, sem jamais perder o foco humano por trás do horror. Enquanto muitos longas do gênero se concentram apenas na violência e no desespero, Train to Busan escolhe o caminho oposto: ele usa o caos para revelar o que há de mais puro nas relações humanas. A jornada de Seok-woo é, na verdade, uma trajetória de redenção. No início, ele é frio, distante e incapaz de compreender as necessidades da filha. Mas à medida que o mundo desaba à sua volta, ele aprende — de forma dolorosa — o valor do sacrifício e do amor genuíno. A relação entre pai e filha se torna o coração do filme, conduzindo o espectador a um clímax de partir o coração, onde o horror cede espaço à emoção mais crua e verdadeira.
Visualmente, Yeon Sang-ho cria uma atmosfera claustrofóbica e angustiante, aproveitando com maestria o espaço limitado do trem. Cada vagão é um novo campo de batalha, cada porta fechada representa uma escolha moral. O ritmo é preciso, o suspense é ininterrupto e a direção é tão envolvente que é impossível desviar o olhar, mesmo nas cenas mais desesperadoras. O design dos zumbis é impecável — rápido, brutal, quase coreográfico — e as atuações, especialmente de Gong Yoo e da pequena Kim Su-an, são de uma sensibilidade impressionante. Eles nos fazem sentir o desespero e a esperança de forma quase palpável, como se estivéssemos ali, presos naquele trem que corre em direção à incerteza.
Mas o grande trunfo de Train to Busan está na sua crítica social. O trem, em sua linearidade e confinamento, funciona como uma metáfora para a sociedade contemporânea: todos seguem na mesma direção, mas poucos realmente se importam com quem está ao lado. Enquanto alguns personagens se destacam pela coragem e empatia, como o inesquecível Sang-hwa (Ma Dong-seok), outros revelam o lado mais sombrio do ser humano, como o egoísta executivo Yon-suk (Kim Eui-sung). No fim, o verdadeiro terror do filme não são os mortos-vivos, mas o que o medo e o egoísmo fazem com os vivos.
Train to Busan foi um sucesso mundial não apenas por seu impacto visual e ritmo eletrizante, mas porque consegue unir entretenimento, crítica e emoção em uma combinação rara. É um filme que te faz segurar o fôlego e chorar, que provoca tanto o coração quanto a mente. O desfecho, com Soo-an cantando “Aloha 'Oe” enquanto o trem desacelera, é uma das cenas mais emocionantes do cinema recente — um lembrete doloroso de que, mesmo em meio ao fim do mundo, ainda há espaço para a ternura e a esperança.
Em última análise, Train to Busan é uma obra sobre humanidade, amor e sacrifício. É sobre o que resta de nós quando tudo o mais é destruído. É um filme que transforma o terror em poesia e o apocalipse em um retrato sensível da alma humana. Um clássico moderno que não apenas redefiniu o gênero zumbi, mas também mostrou que o verdadeiro poder do cinema está em fazer o público sentir — e nunca mais esquecer.
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No entanto, conforme os episódios avançam, a série parece perder o rumo. O roteiro, que inicialmente construía uma tensão interessante entre o presente e o futuro, começa a se enrolar em suas próprias voltas temporais. O enredo, que tinha tudo para explorar as consequências emocionais e morais das viagens no tempo, acaba se tornando repetitivo e confuso. Muitas situações são introduzidas sem um fechamento satisfatório, e a narrativa vai se tornando mais arrastada, até perder o impacto que tinha nos primeiros episódios.
Os protagonistas — interpretados por Lee Je-hoon e Shin Min-ah — entregam atuações impecáveis. A química entre eles é evidente, e ambos conseguem transmitir a dor, a culpa e o amor que sustentam a trama. Porém, nem mesmo o talento dos dois atores é suficiente para compensar os furos do roteiro. Chega um ponto em que os personagens parecem girar em círculos, repetindo dilemas e decisões sem evolução real. O espectador, que no início se envolve emocionalmente, começa a se cansar das idas e vindas que não levam a lugar algum.
O grande problema de Tomorrow With You é justamente o desperdício de potencial. A série tinha todos os elementos para ser um clássico moderno: uma ideia original, uma dupla de protagonistas cativante e uma direção sensível. Mas, em vez de mergulhar profundamente nos temas que propõe — como o medo de perder quem se ama, o peso de tentar mudar o destino e as consequências de manipular o tempo —, ela se perde em sua própria complexidade. As explicações sobre as viagens temporais são vagas e inconsistentes, e muitas perguntas ficam sem resposta até o final.
O desfecho, por sua vez, é um dos pontos mais frustrantes. Ao invés de amarrar as pontas soltas, o final parece apressado e jogado, como se a produção tivesse corrido para encerrar a história sem se preocupar em dar coerência ao que veio antes. Algumas coisas até fazem sentido, mas outras ficam completamente no ar, deixando uma sensação de vazio. É aquele tipo de final que tenta ser poético, mas acaba soando inconclusivo.
No fim das contas, Tomorrow With You é um drama que começa promissor, mas termina exaustivo. Há momentos belíssimos e atuações memoráveis, mas o roteiro inconsistente e a falta de clareza tornam a experiência desgastante. Terminei o dorama com um gosto amargo — não porque foi ruim do início ao fim, mas porque poderia ter sido muito mais. É uma história com alma, mas que se perde no caminho, e assistir até o final acaba sendo mais um esforço de conclusão do que uma jornada emocional satisfatória
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O filme funciona como uma cápsula do tempo. As referências aos anos 90 — desde fitas de vídeo até e-mails enviados de lan houses — não são apenas elementos nostálgicos, mas reforçam o contraste entre a lentidão do passado e a velocidade emocional com que os jovens viviam cada descoberta. Bang Woo-ri não retrata a adolescência como uma fase superficial, mas como um período de intensidade avassaladora, onde cada gesto tem o peso de um mundo e cada silêncio pode doer como uma ruptura definitiva.
Um dos maiores trunfos de Garota do Século XX é a forma como lida com a amizade entre Bo-ra e Yeon-du. A relação das duas não é um detalhe secundário, mas a base de toda a narrativa. O pacto de confiança que elas firmam — de que Bo-ra observará Hyun-jin para ajudar a amiga — acaba se tornando um dilema ético e emocional quando Bo-ra se vê apaixonada. Essa dualidade mostra que a adolescência não é apenas sobre o “primeiro amor”, mas também sobre a descoberta do valor e da fragilidade das amizades, onde o coração pode ser dividido entre lealdade e desejo.
Há também um aspecto inevitavelmente trágico na forma como o amor de Bo-ra é construído. O destino lhe oferece um romance intenso, mas breve, que se encerra antes de amadurecer, deixando apenas memórias cristalizadas no tempo. A grande reviravolta do filme — revelada anos depois — não é apenas um recurso dramático, mas um lembrete cruel de como o passado permanece vivo dentro de nós, mesmo quando acreditamos tê-lo superado. Esse choque final transforma o longa de uma simples história romântica em uma reflexão sobre perda, memória e as marcas indeléveis da juventude.
Do ponto de vista simbólico, a obra também fala sobre o papel da memória como “parasita” do presente. Bo-ra cresce, segue em frente, mas quando reencontra os rastros de Hyun-jin, percebe que o amor adolescente nunca desapareceu de fato, apenas ficou adormecido. O uso do diário, das cartas e dos objetos guardados como relíquias mostra como aquilo que vivemos uma única vez pode nos acompanhar para sempre. O filme sugere que o primeiro amor não é importante pelo tempo que dura, mas pela intensidade com que molda quem nos tornamos.
No fim, Garota do Século XX não é apenas um romance juvenil, mas um retrato universal da passagem do tempo e do poder das lembranças. É um filme que nos convida a revisitar nossa própria juventude — com suas alegrias ingênuas e suas dores devastadoras — e a refletir sobre como essas experiências, mesmo passageiras, continuam definindo quem somos. Assistir a esse filme é como abrir uma caixa antiga e encontrar cartas que nunca foram enviadas: dói, mas também aquece, porque nos lembra que viver é, acima de tudo, sentir intensamente
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Um dos trunfos da série é como ela usa os casos jurídicos semanais não só para “entretenimento”, mas como espelhos de temas humanos mais profundos. Por exemplo, casos que envolvem justiça social — como bullying escolar, desigualdade entre vítimas e acusados, dilemas morais em situações ambíguas (eutanásia, consentimento, responsabilidade individual vs. culpa social) — forçam Hyo-min e Seok-hoon a confrontar suas convicções, suas falhas pessoais e limites éticos.
A ambientação do escritório de advocacia Yullim funciona como microcosmo de tensão entre meritocracia, pressão por resultados, política institucional e comportamentos humanos enraizados em expectativas de status. Há personagens secundários muito bem construídos que trazem rivalidades (nepotismo, proteções institucionais, corrupção pequena e grande) que não soam forçadas, mas sim necessárias para mostrar que “ser bom advogado” ou “querer justiça” existe em contexto social com disputas de poder. Isso dá densidade e credibilidade.
Quanto aos personagens centrais, Hyo-min brilha especialmente porque sua “imperfeição social” — timidez, momentos de insegurança, dificuldade em trabalhar sob pressão — a torna mais humana. Sua evolução, pouco a pouco, enfrentando seus erros ou hesitações, constrói empatia. Seok-hoon, por sua vez, pode parecer o típico advogado frio no início, mas o drama mostra camadas: traumas antigos, arrependimentos, expectativa de provar seu valor em um ambiente onde nem sempre as vitórias são limpas. Essa ambivalência torna-os pares bons para conflito, tensão e crescimento mútuo.
Nem tudo é perfeito: alguns críticos apontam que, apesar dos casos interessantes, existe certa previsibilidade em arcos emocionais (o mentor relutante, a aluna idealista, o passado misterioso, o romance implícito) que são tropes já bastante usados em dramas jurídicos ou de escritório. Também há momentos em que o sentimentalismo pesa e eclipsa a complexidade legal do caso, ou em que o ritmo cai por causa de subplots menos relevantes. Isso pode incomodar quem gosta de tramas mais secas ou focadas só no direito.
No fim, Beyond the Bar é forte porque, mesmo usando elementos já familiares do gênero, ele acerta no equilíbrio entre casos bem desenhados, tensão dramática e evolução interna dos personagens. Ele não entrega simplesmente vitórias fáceis; há consequências, falhas e momentos de dúvida — isso empresta verossimilhança e força emocional. É uma excelente escolha para quem gosta de ver mais do que só o “caso da semana”, mas também do que as pessoas vão se tornar no processo. Com certeza, vale muito ser visto — especialmente se você curte dramas com fundo moral e psicológico forte
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